quinta-feira, 17 de setembro de 2015

LEISHMANIOSE VISCERAL


Descrição da Doença

Nomes populares:  Calazar, esplenomegalia tropical, febre dundun ou doença de cachorro.

O que é:  A leishmaniose visceral (LV) era, primariamente, uma zoonose caracterizada como doença de caráter eminentemente rural. Mais recentemente, vem se expandindo para áreas urbanas de médio e grande porte e se tornou crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica. É uma doença sistêmica, caracterizada por febre de longa duração, perda de peso, astenia (ausência ou diminuição de força física), adinamia (prostração) e anemia, dentre outras manifestações. Quando não tratada, pode evoluir para óbito em mais de 90% dos casos.


Distribuição no Brasil e no mundo:

É endêmica em 76 países e, no continente americano, está descrita em pelo menos 12. Dos casos registrados na América Latina, 90% ocorrem no Brasil.

Em 1913 é descrito o primeiro caso em necropsia de paciente oriundo de Boa Esperança, Mato Grosso. Em 1934, 41 casos foram identificados em lâminas de viscerotomias praticadas post-mortem, em indivíduos oriundos das Regiões Norte e Nordeste, com suspeita de febre amarela.

A doença, desde então, vem sendo descrita em vários municípios brasileiros, apresentando mudanças importantes no padrão de transmissão, inicialmente predominando em ambientes silvestres e rurais e mais recentemente em centros urbanos.

Os dados epidemiológicos dos últimos dez anos revelam a periurbanização e a urbanização da leishmaniose visceral, destacando-se os surtos ocorridos no Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA), Corumbá (MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA) e mais recentemente as epidemias ocorridas nos municípios de Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS) e Palmas(TO).

Em média, cerca de 3.500 casos são registrados anualmente e o coeficiente de incidência é de 2,0 casos/100.000 habitantes. Nos últimos anos, a letalidade vem aumentando gradativamente, passando de 3,1% em 2000 para 7,1% em 2013.



Transmissão

Agente etiológico:  A Leishmaniose Visceral (LV) é causada por um protozoário da espécie Leishmania chagasi. O ciclo evolutivo apresenta duas formas: amastigota, que é obrigatoriamente parasita intracelular em mamíferos e promastigota, presente no tubo digestivo do inseto transmissor.

Reservatórios:  Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção. A *enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem. No ambiente silvestre, os reservatórios são as raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e os marsupiais (Didelphis albiventris). No Brasil, as raposas foram encontradas infectadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Amazônica. Os marsupiais didelfideos foram encontrados infectados no Brasil e na Colômbia.

*enzootia = doença que, em determinadas regiões, afeta constantemente os animais que nelas vivem.

Vetores:


Os vetores da leishmaniose visceral são insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquiras, birigui, entre outros. No Brasil, duas espécies, até o momento, estão relacionadas com a transmissão da doença Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi. A primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da L. (L.) chagasi no Brasil e, recentemente, L. cruzi foi incriminada como vetora no Estado de Mato Grosso do Sul. No Brasil, a distribuição geográfica de L. longipalpis é ampla e parece estar em expansão. Esta espécie é encontrada em quatro das cinco regiões geográficas: Nordeste, Norte, Sudeste e Centro-Oeste.

Há indício de que o período de maior transmissão da LV, ocorra durante e logo após a estação chuvosa, quando há um aumento da densidade populacional do inseto.





Modo de Transmissão:

No Brasil, a forma de transmissão é através da picada dos vetores - L. longipalpis ou L. cruzi – infectados pela Leishmania (L.) chagasi.

Alguns autores admitem a hipótese da transmissão entre a população canina através da ingestão de carrapatos infectados e mesmo através de mordeduras, cópula, ingestão de vísceras contaminadas, porém não existem evidências sobre a importância epidemiológica destes mecanismos de transmissão para humanos ou na manutenção da enzootia.

Não ocorre transmissão direta da LV de pessoa a pessoa.

A transmissão ocorre enquanto houver o parasitismo na pele ou no sangue periférico do hospedeiro.


Período de Incubação:

O período de incubação é bastante variável tanto para o homem como para o cão:
• No homem: 10 dias a 24 meses, com média entre 2 a 6 meses.
• No cão: bastante variável, de 3 meses a vários anos com média de 3 a 7 meses.



Sintomas

Período inicial – esta fase da doença, também chamada de “aguda” por alguns autores, caracteriza o início da sintomatologia, que pode variar de paciente para paciente, mas na maioria dos casos inclui febre com duração inferior a quatro semanas, palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e baço).

Em área endêmica, uma pequena proporção de indivíduos, geralmente crianças, pode apresentar quadro clínico discreto, de curta duração, aproximadamente 15 dias, que frequentemente evolui para cura espontânea (forma oligossintomática). A combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais, que melhor parece caracterizar a forma oligossintomática, é febre, hepatomegalia, hiperglobulinemia e velocidade de hemossedimentação alta.





Período de estado – caracteriza-se por febre irregular, geralmente associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e baço). Apresenta um quadro clínico arrastado, geralmente com mais de dois meses de evolução, na maioria das vezes associado a comprometimento do estado geral.



Período final – caso não seja feito o diagnóstico e tratamento, a doença evolui progressivamente para o período final, com febre contínua e comprometimento mais intenso do estado geral. Instala-se a desnutrição (cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca) e edema dos membros inferiores, que pode evoluir para anasarca (inchaço por todo o corpo). Outras manifestações importantes incluem hemorragias (epistaxe, gengivorragia e petéquias), icterícia e ascite (barriga d’água). Nesses pacientes, o óbito geralmente é determinado por infecções bacterianas e/ou sangramentos.





Diagnóstico

Clínico (principais sintomas): Os sintomas mais frequentes são febre e aumento do volume do fígado e do baço, emagrecimento, complicações cardíacas e circulatórias, desânimo, prostração, apatia e palidez. Pode haver tosse, diarreia, respiração acelerada, hemorragias e sinais de infecções associadas. Quando não tratada, a doença evolui podendo levar à morte até 90% dos doentes.

Laboratorial (exames realizados): O diagnóstico de certeza é realizado pelo exame parasitológico por meio de aspirado de medula óssea. Podem ser realizados ainda exames sorológicos como a imunofluorescência e teste rápido. Exames inespecíficos também são importantes devido às alterações que ocorrem nas células sanguíneas e no metabolismo das proteínas, uma vez que orientam o processo de cura do paciente. São eles: hemograma e dosagem de proteínas.



Tratamento

É feito com uso de medicamentos específicos, repouso e uma boa alimentação. A Leishmaniose Visceral (LV) tem tratamento gratuito, e está disponível na rede de serviços do Sistema Único de Saúde.  É importante reforçar que quanto antes o doente procurar orientação médica e tratamento, maior a possibilidade de recuperação e cura.



Prevenção

As medidas preventivas visam a redução do contato homem-vetor, podendo ser realizadas medidas de proteção individual, dirigidas ao vetor e à população canina, tais como: uso de mosquiteiros com malha fina, telagem de portas e janelas, uso de repelentes, manejo ambiental, através da limpeza de quintais, terrenos e praças, eliminação de fontes de umidade, não-permanência de animais domésticos dentro de casa, eliminação e destino adequado de resíduos sólidos orgânicos, entre outras medidas de higiene e conservação ambiental que evitam a proliferação do inseto vetor.



LV no Cão

A doença no cão é de evolução lenta e início insidioso. A leishmaniose visceral canina é uma doença sistêmica severa cujas manifestações clínicas estão intrinsecamente dependentes do tipo de resposta imunológica expressa pelo animal infectado. O quadro clínico dos cães infectados apresenta um espectro de características clínicas que varia do aparente estado sadio a um severo estágio final. Inicialmente, os parasitos estão presentes no local da picada infectiva. Posteriormente, ocorre a infecção de vísceras e eventualmente tornam-se distribuídos através da derme. A alopecia causada pela infecção expõe grandes áreas da pele extensamente parasitada.

Classicamente a leishmaniose visceral canina (LVC) apresenta lesões cutâneas, principalmente descamação e eczema, em particular no espelho nasal e orelha, pequenas úlceras rasas, localizadas mais frequentemente ao nível das orelhas, focinho, cauda e articulações e pêlo opaco. Nas fases mais adiantadas da doença, observa-se, com grande frequência, onicogrifose (aumento das unhas), esplenomegalia (crescimento abdominal), linfoadenopatia (glândulas inchadas), alopecia (queda de pelos), dermatites, úlceras de pele, ceratoconjuntivite, coriza, apatia, diarréia, hemorragia intestinal, edema de patas e vômito, além da hiperqueratose (endurecimento da pele). Na fase final da infecção, ocorre em geral a paresia das patas posteriores, caquexia, inanição e morte. Entretanto, cães infectados podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo.

A classificação segundo os sinais clínicos apresentados nesses animais pode ser verificada conforme demonstrado a seguir:
  • Cães assintomáticos: ausência de sinais clínicos sugestivos da infecção por Leishmania.
  • Cães oligossintomáticos: presença de adenopatia linfóide, pequena perda de peso e pêlo opaco.
  • Cães sintomáticos: todos ou alguns sinais mais comuns da doença como as alterações cutâneas (alopecia, eczema furfuráceo, úlceras, hiperqueratose), onicogrifose, emagrecimento, ceratoconjuntivite e paresia dos membros posteriores.


Cão com LV, apresentando apatia,
alopecia e lesões no corpo.

Cão com onicogrifose
(crescimento de unha)

Cão com lesões de face e de orelha

Cão apresentando emagrecimento
e apatia.

Cão com emagrecimento, ceratoconjuntivite, 
lesões de face e orelha.


O diagnóstico clínico da LVC é difícil de ser determinado devido a grande porcentagem de cães assintomáticos ou oligossintomáticos existentes. A doença apresenta semelhança com outras enfermidades infecto-contagiosas que acometem os cães, permitindo que o diagnóstico clínico seja possível quando o animal apresenta sinais clínicos comuns à doença, como descrito anteriormente, ou quando o animal se originar de regiões ou áreas de transmissão estabelecida. No entanto, em áreas cujo padrão socioeconômico é baixo, outros fatores podem estar associados dificultando o diagnóstico clínico, especialmente as dermatoses e a desnutrição, mascarando ou modificando o quadro clínico da leishmaniose visceral canina.


Tratamento em cães:

O tratamento da Leishmaniose Visceral Canina (LVC) traz riscos para a Saúde Pública por contribuir com a disseminação da doença. Os cães não são curados parasitologicamente, permanecendo como reservatórios do parasito, além de haver o risco de desenvolvimento e disseminação de cepas de parasitos resistentes às poucas medicações disponíveis para o tratamento da leishmaniose visceral humana.

Os medicamentos utilizados atualmente para tratar a LV não eliminam por completo o parasito nas pessoas e nos cães, no entanto, no Brasil o homem não tem importância como reservatório, ao contrário do cão que é o principal reservatório do parasito em área urbana. Portanto, nos cães, o tratamento pode até resultar no desaparecimento dos sinais clínicos, porém esses animais ainda continuarão como fontes de infecção para o vetor, e, portanto, um risco para saúde da população humana e canina.

A recomendação para cães infectados com a Leishmania infantum chagasi é a eutanásia, que deve ser realizada de forma integrada com as demais ações recomendadas pelo Ministério da Saúde (MS). Vale ressaltar que essa medida é indicada como forma de controle por meio de inquéritos censitários apenas para municípios com transmissão moderada e intensa.
  • Parecer da Advocacia Geral da União com orientações em caso de descumprimento da Portaria GM/MS 1.426, de 11 de julho de 2008.
  • Leishmaniose Visceral: Está em vigor a Portaria nº 1.426/2008 proibindo o tratamento canino da LV
  • Portaria interministerial no. 1426 de 11 de julho de 2008

Existem outras ferramentas preventivas que merecem ser melhor avaliadas do ponto de vista do uso em saúde pública. Uma dessas ferramentas é a coleira impregnada com deltametrina a 4%. O MS está financiando um estudo para avaliar o impacto do uso dessa ferramenta no controle da LV humana em municípios de transmissão intensa do país.

Atualmente, existe uma vacina contra a Leishmaniose Visceral Canina (LVC) registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e comercializada no Brasil. A mesma obteve seu registro no MAPA no ano de 2006, pois atendia aos critérios estabelecidos na legislação vigente à época.

Cabe ressaltar que o MS tem grande interesse pela utilização de vacinas eficazes com o objetivo de aprimorar o controle da LV no país. No entanto, até que os resultados dos novos estudos sejam avaliados e demonstrem a segurança e os potenciais benefícios desta ferramenta para a saúde pública, o MS não indica a vacinação animal como medida de controle da LV no país, assim como preconiza a eutanásia de animais sororreagentes, mesmo vacinados, que porventura sejam encontrados nas áreas de transmissão em que inquéritos caninos estejam sendo realizados.




FONTES:
Conselhos Regionais de Medicina Veterinária da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Manual de Zoonoses, Programa Zoonoses da Região Sul,  1 ed., 2009.
Guia de vigilância epidemiológica / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 7. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009.
Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 1. ed., 5. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.
Ministério da Saúde - http://portalsaude.saude.gov.br
Sociedade Brasileira de Infectologia – http://www.infectologia.org.br


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